Foi publicada, no último dia 10 de fevereiro, a Portaria CNPq nº 1229, de 09 de fevereiro de 2023, que estabelece as regras do Direito de Propriedade Intelectual que se aplicam às relações entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as instituições executoras de projetos, bolsistas e pesquisadores beneficiados pelos instrumentos de fomento deste Conselho, bem como demais parceiros que abrigarem os beneficiários dos instrumentos de fomento.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é a mais antiga agência de fomento à ciência do país vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que tem como principal finalidade o fomento da pesquisa científica e tecnológica, e o incentivo à formação de pesquisadores no Brasil.
Os NITs (“Núcleos de Inovação Tecnológica”) são departamentos que gerem a política de inovação e patentes das ICTs (“Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação”). Por seu turno, as ICTs são entidades públicas ou privadas, sem fins lucrativos, que têm entre as suas missões institucionais realizar atividades de pesquisa. Muitas ICTs são Universidades públicas ou privadas, mas há, também, diversas outras entidades de pesquisa que são ICTs, embora não sejam instituições de ensino.
Elencamos abaixo algumas das principais regras trazidas pela referida Portaria, no que tange ao Direito de Propriedade Intelectual envolvido:
I) Deveres: Nos artigos a seguir transcritos, destaca-se a importância de acompanhamento da execução do projeto para verificação se este resultará em algum direito de propriedade intelectual e a importância da comunicação do resultado ao NIT ou ICT. Destaca-se o cuidado que deve haver na divulgação do resultado, para que tal divulgação não venha a prejudicar a eventual proteção da propriedade intelectual envolvida.
- Art. 3º, II – Caberá ao bolsista, pesquisador e ao responsável por auxílios e bolsas outorgados pelo CNPq, no Brasil e no exterior, verificar a qualquer tempo, se a execução do projeto produz ou poderá produzir resultado potencialmente objeto de patente de invenção, patente de modelo de utilidade, registro de desenho industrial, registro de programa de computador, certificado de proteção de cultivar ou registro de topografia de circuito integrado.
- Art. 3º, §3º – Na hipótese do projeto produzir resultado, o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) ou o órgão responsável pela área de propriedade intelectual da Instituição Científica e Tecnológica (ICT) ou da empresa que sedia o projeto deverá ser comunicado.
- Art. 4º – A divulgação das informações relacionadas com o projeto através da publicação em periódicos, anais de congressos, dissertações ou teses, ou outros meios, não pode prejudicar a eventual obtenção de proteção para a propriedade intelectual sobre os conhecimentos gerados com o apoio do CNPq.
- II) Propriedade Intelectual: Conforme os artigos 5º e 6º, o CNPq não terá, em princípio, titularidade sobre a propriedade intelectual gerada e caberá às instituições executoras dos projetos definir a titularidade ou co-titularidade das criações intelectuais decorrentes dos resultados dos projetos de pesquisa e bolsas financiadas.
- Art. 5º – O CNPq não participará, em regra, da titularidade da propriedade intelectual gerada a partir dos projetos de pesquisa e bolsas financiados nos casos em que os parceiros observem as recomendações e os deveres disciplinados pela Portaria.
- Art. 6º – Caberá à(s) Instituição(ões) executoras de projetos e demais parceiros, conforme suas normativas internas e em observância da legislação federal, definir(em) a titularidade ou co-titularidade sobre criações intelectuais decorrentes de resultados de projetos de pesquisa e bolsas financiadas, integral ou parcialmente, pelo CNPq. (…)
III) Compromisso e Recomendações para o Exercício da Titularidade da Propriedade Intelectual: A norma estabelece de forma expressa no artigo 9, incisos I, II e III que as instituições ou empresas executoras dos projetos e demais parceiros deverão arcar com os custos do processo de registro dos direitos de propriedade intelectual no Brasil e/ou exterior, bem como sua gestão, e a obrigação de compartilhamento dos ganhos econômicos advindos de sua exploração com os pesquisadores criadores da propriedade intelectual, ressalvando que as formas de proteção da propriedade intelectual cujas reivindicações possam causar algum prejuízo ao desenvolvimento de inovações deverão ser evitadas.
- Art. 9º, I – As instituições ou empresas executoras de projetos e demais parceiros deverão assumir os custos do registro e/ou depósito da propriedade intelectual no Brasil e/ou exterior, bem como a gestão financeira e administrativa das ações subsequentes.
- Art. 9º, II – As instituições ou empresas executoras de projetos e demais parceiros deverão assegurar o compartilhamento dos ganhos econômicos advindos da exploração comercial da propriedade intelectual com os pesquisadores criadores da propriedade intelectual, de acordo com as normas das instituições ou empresas parceiras e legislação pertinente (Lei de Propriedade Industrial; Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação e Decreto regulamentador 2553/98, quando aplicável).
- Art. 9º, III – As instituições ou empresas executoras de projetos e demais parceiros deverão evitar o estabelecimento de qualquer forma de proteção intelectual cujas reivindicações venham a provocar uma restrição que prejudique ou impeça o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações baseadas no conhecimento compartilhado pelo depósito de pedido de patentes, registro e/ou certificado.
Há que se destacar, contudo, que parece haver uma contradição entre o artigo 4º e o artigo 9º, III (e vice versa), na medida em que o primeiro destaca o cuidado que deve haver na divulgação da informação para que a proteção da propriedade intelectual seja priorizada e, o último, sugere que seja evitada qualquer forma de proteção intelectual àquelas reivindicações que representem uma ameaça ao desenvolvimento de novas tecnologias e inovações.
A rigor, uma patente jamais impede o desenvolvimento de novas tecnologias, lembrando que a própria Lei de Propriedade Industrial 9279/96 permite expressamente em seu artigo 43, inciso VII, os atos praticados por terceiros não autorizados, relacionados à invenção protegida por patente, destinados exclusivamente à produção de informações, dados e resultados de testes, visando à obtenção do registro de comercialização, no Brasil ou em outro país, para a exploração e comercialização do produto objeto da patente, após a expiração dos prazos estipulados no art. 40, o que nos leva a crer que o artigo 9º, III da Portaria acima mencionado trata de uma hipótese impossível de ocorrer na prática.
IV) Participação nos Ganhos Econômicos Resultantes da Exploração Comercial das Criações (Royalties): A regra geral é a de que o CNPq não terá participação nos royalties decorrentes da exploração comercial das criações protegidas decorrentes dos projetos financiados, salvo determinações em contrário, conforme previsto no Art. 10 a seguir transcrito.
- Art. 10 – Salvo determinações expressas na legislação, normas, convênios, acordos ou chamadas do CNPq, não caberá ao CNPq participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração comercial das criações protegidas decorrentes de projetos por ele financiados.
A Portaria ora em comento revoga a Portaria anterior nº 502, de 12 de maio de 2021, passando a vigorar 07 dias após sua publicação, ou seja, a partir de 17 de fevereiro de 2023, e aplicando-se a todos os processos em curso no CNPq.
Fonte: mail@kasznarleonardos.com.